7.4.22

Encontro 1 / Apresentação geral

A inscrição de um desejo

por Desirée Simões

    Ao longo da minha caminhada, enquanto profissional do campo da Atenção Psicossocial, percorro diversas instituições voltadas aos cuidados de pessoas que apresentam sofrimentos psíquicos.
    Dos meus anos iniciais de trabalho, cinco aconteceram em um hospital psiquiátrico, onde atuei em uma “enfermaria masculina”, em um setor voltado para a recepção de crianças e adolescentes, no serviço de emergência, além da experiência como plantonista supervisora da instituição. Minha saída deste local para o desenvolvimento de um trabalho na rede substitutiva de atenção psicossocial de outro município foi a execução de uma ruptura de minha parte com o modelo asilar, manicomial onde até então eu estava inserida.
    Minha busca era não só por melhores condições de trabalho, no que se refere às questões trabalhistas, mas principalmente por uma lógica de trabalho onde não fosse realizada um assujeitamento de pessoas às normas disciplinares-manicomiais. Mesmo após cinco anos, não foi possível para mim normalizar e banalizar uma lógica de atenção à saúde que não tem uma implicação radical com o entendimento de que as pessoas que ali estão são efetivamente sujeitos, com o incentivo a produção de suas autonomias e com a luta pela inserção e manutenção destes sujeitos no laço social.
    Ao sair para ir trabalhar em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no Rio de Janeiro, cujo mandato fundacional na legislação brasileira vigente é o de ser um serviço substitutivo ao hospital psiquiátrico, pude experimentar outras vivências que me parecem mais lógicas na produção do cuidado em saúde. Trabalhando em um serviço que se ocupa em olhar cada pessoa que entra pela porta como um sujeito e não como um corpo a ser deitado em um leito, pude atuar no eixo da desinstitucionalização. Este eixo do trabalho se constitui como verdadeira oposição ao manicômio.
    O trabalho consistia em ir até as instituições asilares e realizar um trabalho com os sujeitos lá colocados, com as equipes e com o território para possibilitar a saída das pessoas daquele espaço e inseri-las na vida em comunidade. Ao longo deste percurso, muitas vezes visitei diversos hospitais psiquiátricos e também os hospitais de custódia. Estes últimos, hoje em fase de desmonte, são instituições voltadas a receber pessoas que vivem com sofrimento psíquico e que cometeram algum ato infracional à lei e que, com isso, ingressaram no sistema penitenciário.
    Caminhando por estes lugares, muitos incômodos e estranhamentos me atravessaram e ainda atravessam. Não acreditava ser possível aquilo que meus olhos viam e que outros sentidos, tal como meu olfato, sentiam. Acúmulo de pessoas com suas subjetividades extirpadas, muitas vezes enclausuradas nestes espaços há mais de 20, 30, 40 anos, sendo “tratadas” basicamente com o uso de medicações psicotrópicas (contenções farmacológicas), contenções mecânicas (físicas) e em alguns casos histórias de uso de eletroconvulsoterapia (ECT) como primeiras escolhas de “tratamento”.
    Enquanto percorria estes espaços, um pensamento me ocorria. Havia um desejo de tratar das violências institucionais não apenas legitimadas, mas também realizadas pelo Estado no íntimo da existência de seus cidadãos. Tratar no sentido de falar, fazer vir à tona e com isso, produzir reflexão crítica.
    Seguindo a vida com estes elementos, após anos reencontrei Jacqueline, uma amiga com quem trabalhei há anos atrás em um Serviço Residencial Terapêutico (SRT), que é o serviço criado em território nacional voltado ao cuidado dos egressos de internações psiquiátricas de longa permanência. Nosso momento de interrupção deste trabalho, que teve relação com o encontro com as fragilidades estruturais do sistema de saúde brasileiro. Algo traumático. Encerrado o contrato de trabalho, mesmo existindo afeto entre nós, nos desencontramos.
    Ao nos reencontrarmos, a partir de Jacqueline me localizar em uma rede social, houve muito rapidamente a retomada da lembrança de nossa potência de trabalho conjunta. Pela primeira vez, falamos sobre o que naquela época não conseguimos elaborar. Falamos também dos caminhos realizados por cada uma de nós. Eu me mantive no campo da atenção psicossocial. Ela foi para o campo da produção audiovisual. Ali me parecia estar montado o cenário perfeito. Eu com minhas inquietações que se encontravam com as dela e ela com a experiência com a produção de imagens e sons. Compartilhei meu desejo, fiz uma proposta: vamos fazer um filme sobre um destes hospitais psiquiátricos e tratar daquilo que acontece diante dos olhos de uma sociedade e que ainda é pouco falado?
Para minha felicidade, ela aceitou.
    Juntas, falamos sobre aqueles que há anos atrás se constituíram como grandes e famosos hospitais psiquiátricos, hoje desmontados mas que ainda fazem parte do imaginário social nacional e que aparentemente não tiveram sua história preservada. Neste caminho, como moradoras da cidade do Rio de Janeiro, falamos sobre a antiga Casa de Saúde Dr. Eiras e sobre sua filial que se localizava no município de Paracambi, região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. Estranhamos o fato de que apesar das grandes proporções que teve essa instituição e seu preponderante papel no cenário da psiquiatria nacional, muito pouco havia sido dito. Conhecíamos, à época, apenas uma tese de doutorado de uma profissional da Fundação Oswaldo Cruz, que se dedicou a tratar sobre o desmonte e fechamento deste local que já foi conhecido pela marca de ter sido o maior hospital psiquiátrico privado da América Latina, que em seus anos finais também mantinha convênio com o Sistema Único de Saúde. Um furo na memória, um produtor de angústia.
    Feito este caminho, no final de semana seguinte estávamos em Paracambi, rodeando as ruínas da antiga instituição. Enquanto passávamos pelos antigos portões, imaginávamos as violências que ocorreram ali. A exclusão de sujeitos da sociedade pelos mais variados motivos, as violências executadas sobre aquelas vidas. Tiramos fotos, fizemos filmagens, conversamos entre nós e com moradores da região. Nos afetamos. Voltamos para o Rio efervescentes em ideias e angústias.
    Como primeiros caminhos tínhamos como orientação o Seminário, livro X, A angústia do psicanalista Jacques Lacan, que é o objeto de um Cartel sustentado por nós em uma Escola de Psicanálise. Pensávamos também nas obras do filósofo Michel Foucault, e decidimos que a leitura de Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão deveria ser outro farol a nos iluminar o caminho. E apesar de começarmos este trabalho a partir da leitura de dois pensadores europeus, já tínhamos colocado desde o momento inicial da ideia, a necessidade de utilizar as produções científicas e literárias nacionais para discutir o tema. Já tínhamos o entendimento que ao falar dos mecanismos institucionais manicomiais brasileiros, nos aproximávamos também de feridas que se constituíram desde a fundação do país, tais como as violências, exílios, exclusões sociais, racismo e apagamento histórico, por exemplo.
    Outra ponto era a clareza de que somos pessoas interessadas na investigação daquilo que nos toca e não artistas e tão pouco cineastas. Então, como realizar?
    Esta resposta veio pouco tempo depois, quando ocorreu a entrada de Antoine nos estudos compartilhados, online, de Michel Foucault. Ao nos aproximarmos e irmos estudando o material juntos e devido a formação deste como historiador, cineasta e artista visual, um sentido se deu. Nossa troca, o interessante encontro de nossas subjetividades e funcionamento como um grupo logo compareceu e para o qual não pudemos deixar de olhar.
    A partir desta configuração de grupo de trabalho montada, começamos efetivamente a trabalhar. Até o presente momento percorremos arquivos públicos em grandes instituições tal como a Biblioteca Nacional em busca de documentos que tratam desta instituição, fizemos pesquisas utilizando bancos de informações virtuais, encontramos e escutamos pessoas que atuaram no desmonte institucional, nos articulamos com a Coordenação Estadual de Atenção Psicossocial, conversamos com artistas e intelectuais. Percorrendo este caminho, pudemos também revistar a ideia inicial de produção de filme. Entendemos que muito se pode fazer, na lógica de um trabalho investigativo desde a abertura de debates públicos através de rodas de conversa, resgate histórico e documental, montagens expositivas, escrita de textos, e o que mais se mostrar interessante. As possibilidades são diversas, e a proposição atual é a liberação dos produtos que forem se constituindo ao longo do caminho de pesquisa.
    Atualmente estamos em vias de entrar em contato com pessoas que trabalharam na instituição durante seu funcionamento pleno, com outros participantes do grupo de trabalho que executou o desmonte institucional, com gestores estaduais e municipais, além da troca com intelectuais e artistas que pensem sobre os diversos temas que compõem esta pesquisa. Com isto, temos construído a compreensão de que nosso trabalho caminhará por vários lugares e que dentro disso, pode ser até que vire um filme.
    Muito ainda está por vir. 


Um re-corte de Brasil-Rio de Janeiro-Paracambi

por Jacqueline da Costa

    Para contar a história da Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi entendemos ser necessário ampliar nossa visão para abarcar um contexto anterior da construção da instituição, na tentativa de recolher um contexto de tempo-espaço na história político-sócio-cultural da cidade do Rio de Janeiro, bem como do país. Foi necessário considerarmos um recorte.
    A história fragmentada que desejamos remontar, começa na fundação da casa sede – Casa de Saúde Dr. Eiras -, no ano de 1865, na época localizada no bairro de Botafogo, zona sul da cidade do Rio de Janeiro. No âmbito nacional, o país enfrentava um regime imperial governado por Dom Pedro II. No mesmo ano deu-se início à Guerra do Paraguai, que viria a durar cinco anos e já fazia quinze anos que a Lei Eusébio de Queirós havia decretado a proibição do tráfico de escravizados.
    Foi nesse solo que se erigiu a fundação da sede da Casa de Saúde Dr. Eiras, onde hoje é a Rua Assunção no bairro de Botafogo. Empreendimento de Manuel Joaquim Fernandes Eiras, um homem público com certo reconhecimento na cidade do Rio de Janeiro à sua época. Também um médico, empreendedor, administrador e, não menos importante, o médico-amigo-pessoal de Princesa Isabel. Inicialmente a Casa de Saúde Dr. Eiras é fundada como uma casa de banhos, realizando tratamentos hidroterápicos, não havendo nenhuma relação com a psiquiatria que, diga-se de passagem, estava há quase cem anos de distância da sua consolidação como prática especializada da medicina.
    A cidade, no entanto, sofria muitas influências de referências europeias que em meados do século XIX a medicina já se mostrava mais sofisticada como forma tecnológica da domesticação e, porque não dizer, mortificação de corpos a partir das instituições totais. Não demora muito para que Manoel Eiras seja perspicaz em acompanhar as tecnologias europeias e promover a Casa de Saúde Dr. Eiras de casa de banhos à uma instituição psiquiátrica. Em alinhamento com essa notória alteração de paradigma em relação ao entendimento sobre saúde – o que é saúde? – a referida instituição que se tornou um hospital psiquiátrico privado, inicia sua carreira com uma equipe de médicos-especialistas renomados (ainda não psiquiatras), com um arsenal luxuoso e exclusividade no tratamento aos então recém compreendidos como loucos. É importante ressaltar que é apenas no ano de 1879 que a psiquiatria é regulamentada como uma formação acadêmica especializada da medicina.
  Avançamos cem anos e a relação da Casa sede (em Botafogo) com a filial Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi se dá no contexto de necessidade da transferência dos corpos entendidos agora como “crônicos” – nome que se deu com o entendimento de que não havia trabalho possível para a ressocialização daquele corpo. É o morto-vivo. O que é saúde? A filial de Paracambi é fundada na década de 1960 e, portanto, com o dever de recepção desses corpos. Acredito podermos considerar ser um repositório de corpos. Paracambi é um município no interior do estado que fica a menos de cem quilômetros do centro do Rio de Janeiro. Na década de 1950 se dá o apogeu do desenvolvimento industrial da cidade de Paracambi que se constituiu com referência nas ilhas operárias inglesas do século XIX. Isso quer dizer que a vida de uma população inteira era gerida por uma lógica operária desde o convívio social até a própria possibilidade de subsistência como a geração de empregos, a oportunidade de oferta de lazer, bem como a conduta dos moradores-operários. Relata-se que a cidade inteira acordava com o alarme que sinalizava o início do trabalho das fábricas, seus intervalos e retomadas. Na época se enfrentava o regime da ditadura militar no país e a instituição foi fundada com o aval deste governo. O proprietário da instituição era o então Ministro da Saúde e da Previdência Social no Brasil.
    Na década de 1970 a Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi atingiu seu momento como maior empregador local, momento inclusive em que a cidade foi nomeada como “cidade dos loucos” – uma lembrança que remete diretamente ao processo da cidade de Barbacena, em Minas Gerais. Na referida década enfrentou-se um processo de fechamento em massa das indústrias têxtil e siderúrgica, e como consequência iniciou-se um processo de psiquiatrização da população desempregada – não só como doentes com necessidade de assistência na instituição, mas também como entrada na carreira da psiquiatria, isto é, como trabalhadores da instituição. Essa situação faz com que a história do instituto seja mais complexa no momento em que se torna uma instituição total que exercia suas funções para além de apenas uma instituição de saúde, se é que assim podemos considerá-la.
    A possibilidade de implantação de políticas públicas e a legislação das portarias que tem como princípio regulamentar e fiscalizar as instituições da cidade, com o intuito de preservar e se fazer exercer as práticas de cuidado em saúde, tem sua consolidação no país apenas após a Constituição da República Federativa do Brasil em 1988. Na década de 1990 já estavam sendo, não apenas construídas, mas também constituídas outras formas de prática de cuidado com dispositivos que denominamos como substitutivos. Estes, substituiriam as instituições totais para outras instituições menores cada vez mais especializadas e organizadas em um formato do que chamamos hoje de rede. Esse novo formato me é caro no sentido de compreender a saúde em níveis de complexidade, o que parece contemplar em alguma instância o entendimento de que os sujeitos são complexos e necessitam de várias intersecções no âmbito do cuidado. Neste momento, portanto, é possível observarmos na cidade a abertura desses novos serviços especializados e, dentre estes, destacaremos os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Hospitais Dia e Residências Terapêuticas.   
    O processo de fechamento da instituição Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi se inicia a partir das denúncias de maus tratos no momento ápice em que ela chegou a ter 2500 leitos de internação com sujeitos (ditos) crônicos. As denúncias promoveram uma auditoria especializada do Ministério da Saúde e decretou-se, em um primeiro momento, a interrupção de novas internações, o cumprimento de um plano de reinserção social dos pacientes internos, bem como a avaliação de óbitos e revisão de altas. Vale dizer que a compreensão de reinserção social era a de que nenhum sujeito deveria ter o fim de sua vida em uma instituição psiquiátrica largado à própria sorte. O morto-vivo. Àqueles que ainda havia família remanescente tentava-se um retorno ao seio familiar, aos que não tinham mais essa possibilidade era feito um trabalho para inserção desse sujeito em um Serviço Residencial Terapêutico, realizando seu tratamento e acompanhamento de cuidado em liberdade.
    Em 2009 o Ministério Público do Rio de Janeiro ordena o fechamento total da instituição e é apenas em 2012 que o último interno é transferido da mesma. Atualmente, no ano passado, eu e Desirée – parceira deste grupo de pesquisa – fizemos um trabalho de campo na cidade de Paracambi e descobrimos a partir do contato com moradores da região que o perito em que se encontra, ainda, as ruínas da instituição foi loteado e está à venda para a construção de um condomínio de casas residenciais privadas.
    É sob esse solo que desejamos remontar uma história que está fragmentada, como a montagem de um quebra cabeça. Desejo esse de compreender, também, por qual motivo essa história estava sendo esquecida e que apenas fortalece a prática de apagamento de narrativas, de memórias, de percursos e de corpos que em algum momento estiveram vivos aqui. O recorte feito para a imersão dessa pesquisa, me parece, ser um pequeno fragmento de como são tratadas as memórias desse país, memórias que pretendemos juntar os cacos espalhados para trazer debate.


"O rio dos macacos"

por Antoine de Mena

    Em língua tupi, em língua indígena, Paracambi designa "o rio dos macacos", "o rio ramificado". Bem antes de ter sido conhecida pela Casa de Saúde Dr. Eiras, Paracambi existiu, sim, sem mesmo ter sido "descoberta". A sua história não se inicia com a concessão das primeiras sesmarias, no contexto da ampliação do "Caminho Novo" em direção de Minas Gerais, no inicio do século XVIII. O que encontra a sua "origem" neste momento é a própria história da colonização, da evangelização e da exploração agrícola escravocrata da Baixada Fluminense.
    Paracambi foi posse da Companhia de Jesus até 1759, ano em que os Inacianos foram expulsos do Brasil e os seus domínios confiscados e reintegrados nos bens da Coroa Portuguesa. Posteriormente, durante todo o chamado "ciclo do café", iniciado em meados do século XIX, as terras do município de Paracambi foram amplamente exploradas, contribuindo na derrubada massiva da mata atlântica a favor do plantio do café.
    Com a chegada da Estrada de Ferro D. Pedro II e a instalação progressiva de um complexo têxtil industrial de alcance nacional, a região experimentou as mais variadas mutações na sua composição sociológica, assim como na exploração da mão de obra, no marco de uma legalidade incerta porém teoricamente exenta de escravidão. E preciso sublinhear e lembrar que a abertura em 1963 da Casa de Saúde Dr. Eiras, filial Paracambi, e a consequente conformação de uma "indústria manicomial" local, se situam nesse médio e largo prazo histórico.
    
    Quando fui abordado pela primeira vez pela Desirée e pela Jacqueline, ouvi o relato de uma instituição que parecia justamente estar escapando, estar fugindo desta compreensão historica de médio e largo prazo. O convite me foi feito para me unir ao projeto, e a minha reposta foi imediatamente afirmativa. A Casa de Saúde Dr. Eiras-Paracambi estava ali, exigindo a nossa atenção plena, a nossa probidade intelectual, também, nos colocando frente a imperativa necessidade de "construir" arquivos, de contradizer as lógicas mortíferas do esquecimento e de tecer os primeiros fios do necessário relato deste lugar tão sintomático da história (manicomial) brasileira.
    Integrei portanto o projeto como cineasta, como artista-pesquisador. E começamos a trabalhar, com a ideia original das minhas parceiras de elaborarmos juntos, com o passar do tempo e do nossos percursos, um filme documentário. No marco das nossas trocas, este desejo inicial ficou, mas enriquecido pela ideia de render público o campo das nossas pesquisas através de encontros regulares, de falas públicas, com a participação de convidados e a apresentação de objetos, instalações, intervenções... de elementos e artefatos para tentar responder, no fundo, à uma mesma pergunta: quê linguagem é preciso inventar para poder "escrever" a história da Casa de Saúde Dr. Eiras-Paracambi ?
    A pulsão genealógica é o gesto coletivo seminal deste projeto. Uma pulsão que atinge o campo do conhecimento histórico como o campo das artes. Olhar e analisar em detalhe o estabelecimento e o devir da Casa de Saúde Dr. Eiras-Paracambi, sim, mas nunca deixando de perceber e sem cair em construções teleológicas, o que se tece e o que atravessa os séculos, as muitas camadas, torções e reconfigurações constantes que constituem os fios de uma história onde corpos são hierarquizados, presos, e subjetividades subjugadas. Onde a dominação dos uns sobre os outros é permanentemente transformada e reconduzida.


    No dia 7 de abril de 2022, no espaço xow.rumi, na Glória (RJ), apresentamos pela primeira vez em público o nosso grupo de pesquisa. No marco deste encontro, aconteceram falas introdutórias, que aparecem agora neste blog de forma sintetizadas e passadas pela escrita. Apresentamos também uma instalação, composta por dois elementos pendurados numa das paredes do local de apresentação : um vídeo (2'29'', mudo) e um conjunto de seis folhas (A4).


    O vídeo, projetado em loop, é composto por um conjunto de planos editados integralmente, na ordem em que eles foram filmados. Neles pode ser observado a entrada principal da Casa de Saúde Dr. Eiras-Paracambi, assim como a estação de trem inaugurada no lugar em 1964. O espaço é vazio de toda presença humana. O título do vídeo é Angústia. As imagens deste espaço limiar foram filmadas por Jacqueline e Desirée numa das primeiras visitas que elas fizeram in situ.


    As 6 folhas mostram três sequências. A primeira sequência é um plano prospectivo, datado de 1863, da estrada de ferro de D. Pedro II, cujas linhas passam notoriamente pelo município de Paracambi.
    A segunda sequência, composta por 4 folhas (7 fotografias), mostra o ex-Presidente de República Ernesto Geisel, acompanhado por outras autoridades, visitando em 1976 a Casa de Saúde Dr. Eiras-Botafogo.





       Finalmente, a última sequência consiste, numa só folha, nos créditos das imagens, assim como num conjunto de indícios cronológicos. Indícios que não tem outra função que essa mesma: serem indícios de uma construção em curso.